Serenata aos Mortos
Lembra do Seu AntÎnio lå de Serra Redonda? Aquele que se sentava embaixo dos pé-de-figo, naqueles banco de madeira escura do cemitério, e tocava violão?
Lembra dele, nĂŁo lembra, compadre? Pois Ă©. Seu AntĂŽnio tava todo enfeitado naquele dia. Galante. Camisa amarela, sapato lustroso. Lenço vermelho no bolso da camisa. O queixo azul. A comadre Vera LĂșcia tinha rapado aquela barbona feia dele. Ele deixou. Naquele dia. Pobre comadre Vera.
Seu AntÎnio tava lå no cemitério, na sombra do pé-de-figo, violão no colo, cigarro no låbio, ågua no olho.
Perguntei por que tava tĂŁo elegante: âTĂĄ fazendo serenata pros defunto, Seu AntĂŽnio?â E ele me sorriu com o cigarro entre os dente: âTĂŽ arrumado que vou viajar pros braços da morena, que amor de SĂŁo JoĂŁo nĂŁo se apaga nĂŁo!â E tocou o violĂŁo, ĂĄgua no olho. Pobre comadre Vera, tĂŁo devotaâŠ
Pois Ă©, meu compadre, Seu AntĂŽnio viajou sexta passada. nĂŁo volta mais. Partiu com ĂĄgua no olho. Cigarro na boca.
O violĂŁo, Comadre Vera deixou lĂĄ no banco de madeira, na sombra do pĂ©-de-figo, no banco do Seu AntĂŽnio. NinguĂ©m bota no colo. NinguĂ©m toca. TĂĄ um silĂȘncio sĂł. Um silĂȘncio que dĂłi que sĂł.
Serenata aos Mortos, por Paulo Moreira.
Texto publicado originalmente no Medium em 17 jul. 2021