Paulo Moreira Escritor

Serenata aos Mortos

o velho guitarrista cego de pablo picasso

Lembra do Seu AntÎnio lå de Serra Redonda? Aquele que se sentava embaixo dos pé-de-figo, naqueles banco de madeira escura do cemitério, e tocava violão?

Lembra dele, nĂŁo lembra, compadre? Pois Ă©. Seu AntĂŽnio tava todo enfeitado naquele dia. Galante. Camisa amarela, sapato lustroso. Lenço vermelho no bolso da camisa. O queixo azul. A comadre Vera LĂșcia tinha rapado aquela barbona feia dele. Ele deixou. Naquele dia. Pobre comadre Vera.

Seu AntÎnio tava lå no cemitério, na sombra do pé-de-figo, violão no colo, cigarro no låbio, ågua no olho.

Perguntei por que tava tão elegante: “Tá fazendo serenata pros defunto, Seu Antînio?” E ele me sorriu com o cigarro entre os dente: “Tî arrumado que vou viajar pros braços da morena, que amor de São João não se apaga não!” E tocou o violão, água no olho. Pobre comadre Vera, tão devota


Pois Ă©, meu compadre, Seu AntĂŽnio viajou sexta passada. nĂŁo volta mais. Partiu com ĂĄgua no olho. Cigarro na boca.

O violĂŁo, Comadre Vera deixou lĂĄ no banco de madeira, na sombra do pĂ©-de-figo, no banco do Seu AntĂŽnio. NinguĂ©m bota no colo. NinguĂ©m toca. TĂĄ um silĂȘncio sĂł. Um silĂȘncio que dĂłi que sĂł.

Serenata aos Mortos, por Paulo Moreira.


Texto publicado originalmente no Medium em 17 jul. 2021

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